Tela Viva: O milagre da multiplicação de canais
O milagre da multiplicação de canais
Humberto Costa
A RIT, do pastor R.R. Soares, é a base de produção para uma série de canais de conteúdo evangélico, além de um dedicado só a notícias.
R.R Soares é a conhecida assinatura de Romildo Ribeiro Soares, fundador e figura máxima da Igreja Internacional da Graça de Deus, uma potência evangélica com quase 2,5 mil templos espalhados pelo país e número não declarado de adeptos. É um homem de fala suave, chamado missionário, que começou na TV Tupi há mais de trinta anos apresentando um programa religioso. Hoje o sorridente pregador da palavra de Deus está à frente de um dos poucos programas evangélicos exibidos em horário nobre da TV. “O Show da Fé” é transmitido nas noites de segunda a sábado por quase uma hora na Band, além de outros horários na Rede TV!, e na CNT (com a participação de outros pastores).
Alegando sigilo contratual, o missionário não diz quanto gasta pela locação dos horários de programação. Mas só na Band estima-se que desembolse R$ 2 milhões por mês. No canal da família Saad atinge média de até dois pontos no Ibope medido em São Paulo, o que significa quase 200 mil domicílios. “Surgiram oportunidades nas emissoras e nós fomos ocupando. Eu estou muito satisfeito com o retorno. Nas minhas andanças pelo país as pessoas comentam bastante sobre o programa. Eu suponho que o número de telespectadores atingidos seja até maior. Acho que o método de medição de audiência deveria ser revisto”, afirma R.R Soares, com uma ponta de desconfiança dos números oficiais.
O “Show da Fé” é basicamente o registro dos cultos comandados por R.R Soares na sede da Igreja Internacional da Graça de Deus, no centro de São Paulo. São dez programas gravados aos finais de semana com seis câmeras que abastecem o estoque. Quase não há utilização de recursos de edição. Além de ser um dos pregadores com mais tempo de exibição na TV atualmente, o missionário também tem seu canal próprio, a Rede Internacional de Televisão.
A primeira geradora da RIT surgiu em Dourados, interior de Mato Grosso do Sul, em 99. Três anos depois conseguiu o direito de instalar a base em São Paulo, e se transformou na cabeça de uma rede com afiliadas em Porto Alegre (RS), Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT), Campo Grande (MS), Salvador (BA), Teixeira de Freitas também na Bahia, Fortaleza (CE) e Rio Branco (AC). E em breve, Manaus (AM) e Porto Velho (RO). Em algumas praças o sinal é aberto em UHF, além de estar presente no cardápio das parabólicas, um importante meio de penetração no interior do país. Apesar da expressiva presença nos principais centros urbanos (exceto o Rio de Janeiro), R.R Soares nega o desejo expansionista. “Não tenho ambição de ser uma rede nacional, não tenho planos para amanhã, tudo está nas mãos de Deus. Não tenho intenção de contratar figuras bem aceitas no vídeo. Os fins não justificam os meios”, sentencia.
O missionário é a estrela da rede dele. Além do “Show da Fé” exibido diariamente,
R.R. Soares comanda a atração das 6h às 21h aos domingos. A grade da RIT é recheada de conteúdo religioso, como atrações de música gospel, de ensinamentos bíblicos, além de pastores esclarecendo questões dos telespectadores sobre a mensagem do missionário. O menu inclui ainda um tira dúvidas de saúde (“Consulta
ao Doutor”), programa de entrevistas e debates (“Vejam Só”).
O público alvo da RIT é o povo cristão. A estimativa é de que existam 36 milhões de evangélicos no país. “Aqui não tem palavrão, não tem apelação, não tem filme violento, cenas que explorem o duplo sentido”, explica Adenílson Terêncio, gerente geral da RIT.
O missionário tem um discurso mais abrangente. “É uma emissora para ajudar a família inteira. Não queremos entrar em guerra religiosa. O público alvo é a nação toda. Tem muita gente viciada em novela e em jornalismo barato, isto é como ser dependente de um tóxico, de uma droga”, afirma Soares.
Autodenominada “A TV que faz a diferença”, a RIT entremeia a programação religiosa com boletins noticiosos de dez minutos de duração apresentados de hora em hora (“Toda Hora”). O telejornalismo é abastecido por oito equipes de reportagem em São Paulo equipadas com câmeras Sony XDCAM e HVR-Z1. Ainda há o material enviado pelas praças. Apenas a afiliada de Curitiba tem um jornalístico local. Também é utilizado o conteúdo de agências internacionais de notícias e da TV Brasil. “Nós procuramos mostrar os valores positivos, o lado bom. Mas nós não deixamos de cobrir também o caso da menina Isabella, que é de grande interesse do público. Agora, a ‘Parada do Orgulho Gay’ não é pauta para a gente”, explica Adenílson Terêncio. A Igreja Internacional da Graça de Deus considera o homossexualismo uma aberração da natureza.
O noticioso produzido pela emissora do missionário também alimenta um canal dedicado exclusivamente à informação, o RIT Notícias. Uma equipe de 60 profissionais, entre técnicos e jornalistas, se divide em cinco equipes envolvidas na maratona diária para produzir informação 24 horas por dia. A emissora se prepara ainda para abrigar em breve todo o material num portal multimídia. “Não tem sensacionalismo, violência gratuita. São notícias para ajudar o empresário, o cristão, sem preocupação com o Ibope”, explica Geraldo Carlos dos Santos, superintendente de outro negócio do conglomerado de comunicação de R.R. Soares, a Nossa TV, um serviço de DTH em operação desde setembro do ano passado.
A operadora evangélica tem um pacote de 36 canais que inclui apenas a Band (principal exibidor do “Show da Fé”) entre as emissoras de TV aberta, além de Fox Life, National Geographic, filmes do TCM e Hallmark Channel, várias opções da família Discovery, o RIT Notícias e uma vasta programação religiosa dividida em oito sintonias. O número de compradores do serviço não é anunciado, somente projeções. “Nossa meta é chegar a 500, 600 mil assinantes em quatro, cinco anos”, aponta Santos.
A base de operações da Nossa TV é no Rio de Janeiro, de onde sobe o sinal para o satélite que é distribuído para todo o país, mas boa parte da produção dos programas religiosos é feita em São Paulo. A RIT possui quatro estúdios espalhados pela região central da capital paulista que são equipados com câmeras D-50 da Sony. Quinze estações de edição não-linear Blackmagic de vídeo sem compressão são utilizadas no suporte do jornalismo da RIT, na preparação do material para o RIT Notícias e na finalização de peças que compõem o resto da programação.
A estrutura da RIT dá suporte técnico e de produção para canais como o IIGD, Igreja Internacional da Graça de Deus. A grade é basicamente uma espécie de making of de tudo que se passa no templo central da igreja, parte ao vivo, parte gravado. “Mesmo que tenha só meia-dúzia de gatos pingados a gente mostra”, conta Adenílson Terêncio. O “SOS Espiritual”, como o nome sugere, é um canal de interatividade religiosa com o telespectador. De hora em hora, o dia inteiro, pastores se revezam em orações e conversam e dão conselhos pelo telefone aos “necessitados”. A atração é feita com duas câmeras e uma central de atendimento telefônico. “É muito agitado, muitas ligações de pessoas que desejam conversar, contar as experiências, fazer pedidos”, revela Terêncio. Com 35 operadores de câmera, a RIT funciona como uma produtora do grupo. Durante quatro horas, nas madrugadas, põe no ar simultaneamente com a Band um programa ao vivo, o “Igreja da Graça em Seu Lar”, que chega a receber 900 telefonemas por dia.
Record, não
R.R. Soares foi também um dos fundadores da Igreja Universal do Reino de Deus no final da década de setenta, junto com Edir Macedo. Diferenças de estilo na forma de conquistar adeptos levaram Soares a sair da IURD para na década de oitenta dar início à Igreja Internacional da Graça de Deus. Além de concorrentes na evangelização, também são empresários de comunicação. Macedo tem investido pesado nos últimos anos para fazer crer ao mercado e aos telespectadores que a Record e a igreja que comanda são entidades absolutamente distintas. A programação religiosa foi confinada na madrugada. A emissora da Barra Funda exibe novelas com forte apelo sexual, o que pode parecer um acinte aos valores cultuados pelos seguidores da Universal. Macedo tem obtido êxito, pôde se assumir como dono da Record e com o crescimento exponencial de audiência já incomoda a concorrência em alguns horários. R.R. Soares dá sinais, pelo menos por enquanto, de querer trilhar caminho diferente da atual vice-líder do Ibope. “O missionário costuma dizer que se a RIT chegar ao que é a Record, prefere fechar o canal. Ele não quer que a RIT seja tão religiosa, mas também não pretende ser a Record”, conta Adenílson Terêncio. Provocado a falar sobre o assunto, R.R. Soares desconversou.
A metamorfose comercial da Rede Internacional de Televisão dá seus primeiros passos no break. A emissora não quer ocupar os intervalos apenas com anúncios de CDs de música gospel e livros de temática religiosa, os chamados produtos da casa. Mas impõe limites, nada de anúncios de bebidas alcoólicas ou peças publicitárias que explorem a sensualidade. Alguns anunciantes de peso, como o Bradesco, já freqüentaram a programação de forma sutil, com poucas inserções.
“Nós estamos tentando convencer as agências de publicidade que os crentes também consomem. Tomam guaraná, Coca-Cola, mas não bebem cerveja. O problema é que as agências só fazem negócio casadinho, se entra o guaraná, aí também tem que entrar a cerveja, é complicado. Nós estamos estruturando o departamento comercial. O faturamento vindo dos anunciantes ainda é pequeno”, afirma Terêncio.
Ainda é uma obra em construção a afinação entre o que agrada o público evangélico e possa atrair também um novo telespectador, digamos simpatizante da mensagem da Igreja Internacional. Tentativas de dar um ar menos religioso para algumas atrações foram frustradas. “O povo cristão adora mesmo que a gente pegue assuntos do dia-a-dia e discuta biblicamente. Se não tiver isso, reclamam”, revela Terêncio. De certa forma, são os milhares de freqüentadores que buscam conforto espiritual nos templos da Igreja Internacional que bancam o milagre da multiplicação de canais da família RIT. O assunto é tratado com discrição na emissora, mas o que se fala é que dinheiro
proveniente da igreja sustenta as emissoras. Números não são revelados. A estimativa é de que só o orçamento da RIT alcance por ano R$ 1 milhão. ”A despesa é pequena, o pouco que faturamos dá para pagar tudo. Nenhum apresentador é assalariado. Exceto os gastos com jornalistas e técnicos, tudo ali é por amor”, afirma R.R. Soares.
Discurso religioso à parte, e olhando apenas o empresário de comunicação, o missionário guarda um paralelismo com Silvio Santos. Os dois são donos e a principal atração das TVs que mantém. Só que o comunicador do SBT restringe as exibições dele ao canal próprio. R.R. Soares não dá sinais de que pretende tão cedo confinar o “Show da Fé” apenas aos domínios da RIT. (veja box).
O apresentador do mais assistido programa evangélico tem contrato com a Band até o fim de 2010. Rumores de que o horário seria ocupado por outra atração não abalam Soares. “Eu não quebro contrato. Não creio que vão quebrar, não ficaria bem para os olhos do mercado”.
Fontes da emissora, porém, dizem que internamente o pastor é considerado um “mico”, apesar da receita que gera. “Ele paga o horário, mas derruba a a audiência do fim da tarde, e não entrega nada depois do programa, então ficamos sem esse público na programação da noite”, diz a fonte.
SHOW DA FÉ NO MUNDO |
A Rede Internacional de Televisão faz jus ao nome e espalha sua programação também no exterior. Nas cidades americanas de Miami e Boston o alvo é a comunidade brasileira. Seis horas de programação diária da RIT são exibidas em canais locais. |
Sabe o que eu não gosto nisso? É que todo mundo já ouviu falar que a mídia é o "quarto poder" e, nesse contexto, vem uma (e não só uma) emissora dizendo que cristão bebe isso, não bebe aquilo, que isso pode divulgar, que aquilo não diz respeito ao "povo de Deus"... e por aí vai!
Nada contra a religião das pessoas, é um direito de cada um, mas essa propagação de dogmas por emissoras como a RIT não como dogmas, mas como verdades absolutas - principalmente quando não aparecem nos tradicionais canais religiosos - pode ser mais prejudicial que o partidarismo de algumas redes abertas. Isso sem contar a megalomania que acaba funcionando como censura, já que eles têm canal de notícias e até uma operadora de TV por assinatura.
Segmentação é uma coisa, lavagem cerebral é outra! Se a RIT quer ser uma TV religiosa, "sem violência ou palavrões" e com seleção das notícias "apropriadas", tudo bem. É similar a uma TV Aparecida, Boas Novas, Rede Gospel ou Canção Nova. Mas declarar que filtra informações de acordo com o que a direção (leia o próprio R. R. Soares) acha conveniente e fazer um canal só de notícias filtradas (RIT Notícias) já é exagero! E pode ser meio perigoso...
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