A história da Jovem Pan TV

MidiaClipping
Reproduzo aqui o excelente texto de Arthur Ankerkrone que conta, com detalhes, a história da Jovem Pan TV (antigo canal 16 de São Paulo). Quem acompanhou o início da TV aberta em UHF na cidade vai lembrar, com certeza, dessa emissora que tinha tudo para marcar a história da televisão brasileira.

O artigo é parte de uma série do Broadcast Blog sobre as TVs que não saíram do papel. O primeiro falou sobre o que seria uma emissora dos proprietários da Pullmann, e foi indicado aqui através do Twitter.

Acompanhe:

"A Jovem Pan é só rádio"*

O que acontece se unirmos uma marca tradicional e respeitada, com os melhores profissionais, os melhores projetos e a melhor tecnologia?
Uma empresa de sucesso, certo? Errado.

Este foi o caso da Jovem Pan TV, ou Televisão Jovem Pan, um retumbante desastre empresarial que marcou época no mercado e deixou reflexos até os dias de hoje.

Era 1987 quando o então presidente José Sarney concedeu o canal 16 UHF à Rádio Jovem Pan de São Paulo. A mais respeitada rádio paulistana iria finalmente ter sua versão televisiva. Não era por falta de tentativas anteriores, já que a Pan pretendia ter um canal pelo menos desde que a TV Tupi fôra extinta. E em termos, porque a família Amaral de Carvalho, dona da rádio, foi a responsável pela criação da TV Record, em 1953, com Paulo Machado de Carvalho.

A ligação da Record com a Rádio Panamericana (ou Jovem Pan) até o final dos anos 1960 era intrínseca, quando o "braço" familiar que cuidava da rádio resolveu sair da televisão, dividindo-se em dois grupos distintos.

A TV Jovem Pan preparou-se para ser tão grande quanto a Record original. Adquiriu os melhores equipamentos disponíveis no mercado, em grande quantidade. O jornalismo teria prioridade, assim como na rádio, sendo o projeto da TV apelidado no mercado de "CNN brasileira". Para se ter uma ideia, havia já um acordo entre a TV Jovem Pan e o SBT, que garantia que as matérias nacionais dos telejornais da Pan seriam fornecidas pelas afiliadas do Sistema Brasileiro de Televisão, e que a cobertura da Grande São Paulo ficaria totalmente por conta da Jovem Pan, que abasteceria as duas emissoras.

Uma impressionante frota de carros de externa de última geração foi montada, usando vans Ibiza. As unidades de jornalismo possuíam sistemas de microondas automático, que encontravam sozinhos o ponto de conexão com a torre de recepção, um absurdo e uma inovação naqueles dias. Um helicóptero super-equipado ganhou os céus, anos antes dos similares Globocop e Águia Dourada. E, o orgulho da frota, ou como diriam os marinheiros, a nau capitânea, sua unidade móvel, chamada acertadamente de "Estúdio Móvel Jovem Pan TV". Não era para menos. O ônibus possuía equipamentos superiores a alguns que a TV Globo tinha em suas centrais de produção, o que dizer em unidades móveis! Era tão avançado que realmente possuía um pequeno estúdio em seu interior.

Todo o mercado já sabia que quando a frota amarela da Jovem Pan TV fosse colocada em atividade, não haveria lugar para mais ninguém no jornalismo. Seria referência de qualidade e agilidade.

Na Avenida Paulista, sobre o prédio do Senai, foi erigida uma enorme torre de transmissão, com desenho idêntico ao da vizinha Gazeta, mais conhecida como "Torre da Globo". O desafio era visível. Na época, os diretores da Pan informaram que só não a fizeram maior porque a Aeronáutica não permitiu. A torre ainda tinha um detalhe curioso… com iluminação branca, em vez de amarela, como as demais, tinha luzes coloridas em seus anéis centrais, que alteravam conforme a previsão do tempo do dia seguinte. Se as luzes estivessem vermelhas, iria chover. Se estivessem verdes, tempo bom.

Os estúdios da emissora foram construídos num grande prédio na Barra Funda, zona oeste de São Paulo, que haviam pertencido a uma fábrica. Ao lado, uma imensa torre de concreto para recepção de links de qualquer ponto da Grande São Paulo. Onde houvesse notícia, era certo, a Jovem Pan TV estaria no ar. Era a primeira emissora que utilizava tecnologias digitais no país.

Nesta fase experimental, a Jovem Pan transmitia alguns programas, já muito bem produzidos… é o caso do telejornal São Paulo, com Bianca Vasconcelos e Fabio Pannunzio, do esportivo No Pique da Pan, com Wanderley Nogueira, o Jovem Pan VHS (programa alimentado por vídeos caseiros, dicas de vídeo e outros), alguns filmes e alguns talk-shows. Deu espaço ao futebol de salão, exibindo o Campeonato Metropolitano de Futsal. Transmitiu também o Campeonato Argentino de Futebol, que era ignorado por outras emissoras, e para mostrar ao que vinha, fez a final ao vivo do Campeonato Paulista, entre Corinthians e São Paulo, dando-se ao luxo de acompanhar a chegada das equipes de helicóptero. No campo, as primeiras câmeras sem fio do Brasil. Não havia profissional de TV que não quisesse trabalhar ali ou que não se entusiasmasse com os pequenos "espetáculos" que a Pan vinha fazendo.

Mas algo imprevisível aconteceu. A Jovem Pan TV era controlada por três sócios: a família Carvalho, ou seja, a Rádio Jovem Pan; o diretor de jornalismo da Pan, Fernando Vieira de Mello, e o dono do Grupo Objetivo, João Carlos DiGênio.

Logo depois que a emissora iniciou suas transmissões experimentais, Fernando Vieira de Mello desistiu do negócio e vendeu suas cotas para Hamilton Lucas de Oliveira, presidente da Indústria Brasileira de Formulários, ou IBF. Ela vinha incorporando diversas empresas de comunicação, como a revista Visão, o grupo de jornais Shopping News, o DCI (Diário do Comércio e Indústria), e em pouco tempo, a TV Manchete. A gráfica da IBF fazia as famosas loterias "raspadinhas".

Pedro Collor denunciou o irmão, o presidente Fernando Collor de Mello, por corrupção. Todas as suas relações com PC Farias, e os envolvidos em esquemas de superfaturamento e favorecimento. E irregularidades severas entre as licitações do governo federal. Entre os acusados, estava o nome da IBF. O grupo entrou no foco das investigações. E a Jovem Pan TV, por tabela, também.

Instaurou-se total discórdia na sociedade. Em pouco tempo, desiludidos com o andamento das coisas, a Família Carvalho saiu da sociedade, proibindo o uso da marca "Jovem Pan". Suas cotas foram passadas para o Grupo Objetivo. Até mesmo uma CPI foi aberta no Congresso para a investigação do caso. Os salários começaram a atrasar, os anunciantes (sim, já haviam anunciantes na fase experimental do canal, como o frigorífico Swift-Armour!) não renovaram e os profissionais, em massa, abandonaram a emissora. As dívidas contraídas para a montagem da estação de TV não tinham como ser saldadas.

O canal passou a ser chamado apenas de "CBI - Canal Brasileiro da Informação", em alusão ao antigo slogan "Jovem Pan TV, o canal brasileiro da informação". E de informação, não se tinha praticamente nada. A emissora se mantinha no ar utilizando velhos documentários cedidos por embaixadas. E alugando seus equipamentos e instalações para produções de outras emissoras. Houve uma transmissão de Fórmula 1 em São Paulo, feita pela Globo, que podia se dizer que fôra feita totalmente pela Jovem Pan (ou CBI).

Com o tempo, a IBF também deixou a sociedade, e o controle ficou totalmente nas mãos do Grupo Objetivo. Já não se via mais nem a sombra do que a emissora seria. E isso acabou atraindo outros olhares. A Globo, praticamente desde sua fundação, estava em instalações precárias, na Praça Marechal Deodoro, próximo ao centro da capital. As belas instalações da Pan seriam perfeitas para sua nova sede, que poderia até mesmo abrigar suas outras unidades, que se encontravam dispersas em oito endereços distintos.

A Globo fez a oferta, pretendendo comprar o prédio inteiro. Porém, quando o negócio estava prestes a se concretizar, a Record fez sua oferta: o prédio inteiro mais o que houvesse do lado de dentro. Como estava em situação parecida, engessada nas velhas instalações da Avenida Miruna, a central da Barra Funda parecia um prato cheio para sua nova sede. Assim, a Record levou de uma só vez as melhores instalações e o melhor equipamento, que fizeram diferença em sua escalada de crescimento. E a Globo se viu obrigada a iniciar a construção de sua nova sede, na Berrini. Dizem que este foi o primeiro motivo para que se iniciasse a rivalidade ferrenha entre as duas emissoras.

A CBI mudou-se então para salas que já eram utilizadas pelo Grupo Objetivo, dentro do prédio da TV Gazeta, onde ficou até há pouco tempo atrás. Ocupando uma área pequena, muito aquém do que tivera no passado, a emissora continuou mantendo-se como podia, até que arrendou quase toda a grade de programação para o empresário Luiz Carlos Galebe e seu ShopTour. O canal 16 passou então a transmitir basicamente televendas. Ao término do contrato entre a ShopTour e a CBI, quando Galebe passou a operar seu próprio canal (46 UHF) o Grupo Objetivo percebeu que o caminho era interessante e a transformou em Mix TV, dividindo a programação entre televendas de produção própria e programas voltados ao público jovem, já que a rádio Mix FM, do próprio grupo, detêm uma fatia importante da audiência neste segmento. Vale citar que o único rosto que se mantém no canal desde o início da Jovem Pan TV é da jornalista Elys Marina, ex-Bandeirantes.

Terminou assim o sonho da Jovem Pan ter seu canal de TV. De certo modo, já que realizam boas iniciativas em WebTV e algumas co-produções, como é o caso de sucesso do Pânico na TV, em parceria com a RedeTV!. E que, por sinal, já constava dos planos da Televisão Jovem Pan no início dos anos 1990.

Em breve, a história da primeira TV Jornal do Brasil, nos anos 1970. O início de uma grande rede nacional que jamais saiu do papel.

* O título desta reportagem se refere ao slogan "A Jovem Pan é só rádio", utilizado nos anos 1980 pela Rádio Jovem Pan, ao defender que a empresa não tinha outros interesses comerciais ou políticos.

Abaixo, duas cenas pinçadas no Youtube, imagens de 1991 da TV Jovem Pan:

Vinheta de abertura de transmissões esportivas, mais precisamente do Campeonato Metropolitano de Futsal, transmitido pela emissora:


Aqui, ninguém menos que Milton Neves, transmitindo o campeonato citado acima:


Arthur Ankerkrone

Quando comecei a ver os canais de UHF, a Jovem Pan TV tinha pouco tempo de vida, mas já não lembrava em nada essa "promessa" descrita no artigo. Aliás, parecia mais com uma promessa não cumprida; estava ali, mas não era levada a sério.

MidiaClippingLembro com alguma clareza do telejornal da Elys Marina (e Maria Lucia Mota, não citada no texto), de José Nello Marques no "Opinião Livre" (programa de debates cujo nome ainda é utilizado pelo Grupo Objetivo - hoje é um talk show da TV UNIP apresentado por Sílvia Vinhas) e, claro, dos documentários cedidos pelas embaixadas, exaustivamente reprisados. Havia pelo menos três: um sobre a França ("Aujourd'hui en France"), um sobre o Japão (acredito que não tinha nome) e um sobre a Alemanha, que a antiga TV Guaíba de Porto Alegre transmitia com o nome de "Atualidades Alemãs". Os documentários foram desaparecendo gradualmente, conforme aumentava o espaço do Shop Tour na programação.

Em alguma dessas trocas de acionistas, a TV fez um concurso para definir um novo logotipo, provavelmente porque a Jovem Pan já tinha vetado o uso do inicial, igual ao das rádios. O projeto vencedor, anunciado sem nenhuma pompa no telejornal "São Paulo", era parecido com esse que tentei reproduzir ao lado, mas nunca foi utilizado. Pouco tempo depois, o canal passou a se tratar como CBI.

Comentários

  1. Anderson,

    Fiquei impressionado com o projeto da TV Jovem Pan
    era o projeto mais ousado na TV brasileira, segundo pude apurar, a TV Jovem Pan planejava transmitir seu sinal em rede nacional em UHF, tinha tudo pra dar certo desde o começo e ser a primeira TV "all-news" em sinal aberto

    Lamento que não tenha dado certo, aliás, UHF demorou a chegar aqui em João Pessoa, o primeiro canal UHF da capital paraibana foi a MTV canal 32 UHF apenas em Maio de 1997

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