STJ suspende julgamento sobre sucessão da Rede Manchete

Saiu hoje no jornal O Globo, no Portal Imprensa e no Comunique-se matéria falando sobre o adiamento do julgamento que vai definir a situação da RedeTV! com relação às dívidas da Rede Manchete. Abaixo o texto na íntegra da reportagem do Comunique-se:

O ministro João Otávio de Noronha pediu vista e o julgamento sobre o conflito de competência da sucessão ou não da Rede Manchete pela TV Ômega (Rede TV!) foi interrompido na Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Se depender do relator, o ministro Fernando Gonçalves, a decisão da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio será mantida – em 2003 o TJ-RJ decidiu que a TV Ômega não pode ser considerada sucessora da TV Manchete. Ele votou pelo não-reconhecimento do conflito. Para a Justiça trabalhista, a transferência de concessão para exploração de serviços de radiodifusão, sons e imagens, com a continuidade de prestação de serviços, caracteriza a sucessão de empregadores. A empresa que assume a concessão deve responder pelos direitos trabalhistas vigentes quando da sucessão.
Mas não foi esse o entendimento na esfera cível. E o julgamento no STJ tem justamente a função de decidir qual juízo vai prevalecer neste caso.
O relator já tinha determinado, em liminar, suspender as ações trabalhistas que tratam da TV Manchete e Bloch Editores julgadas em diferentes varas trabalhistas do País.
Para ele, nem o STJ nem outro ramo da jurisdição podem alterar a decisão do TJ-RJ, já confirmada pelo Supremo Tribunal Federal.

Boa notícia! O ministro João Otávio de Noronha não aceitou "cegamente" a decisão do relator do caso e resolveu dar uma olhada no processo antes de dar o seu parecer. A impressão é que já estava como certa a isenção da RedeTV! de qualquer responsabilidade assumida na esquisita compra da Rede Manchete, em 1999.

Vale relembrar aqui a historinha, por partes:

AMÍLCARE E A MANCHETE DOS BLOCH
O grupo TeleTV, de Amílcare Dallevo Jr., era responsável pelos sistemas de telefonia em programas interativos como "Você Decide" (Rede Globo) e cresceu nos anos 90 com a popularização dos sorteios pelos telefones 0900, que foram exaustivamente usados pela maioria das emissoras, incluindo a Rede Manchete, até sua proibição em 1998. Além da TeleTV, o grupo tinha uma empresa de tecnologia (TecNet) e uma produtora independente, a Ômega Produções, que produziu para a Manchete entre 1997 e 1998 os programas "Domingo Milionário" e "Domingo Total", um pouco antes da proibição do lucrativo sistema de sorteio.
A Manchete mergulhou mais fundo em sua última crise logo depois disso, devido ao baixo retorno financeiro das transmissões da Copa de 98, ao fracasso de "Brida" e a outros problemas de ordem macroeconômica. Terminou 1998 com programas extintos, greves e um esvaziamento da programação como nunca havia se visto.

O ANO DA VENDA
Depois de uma tentativa mal sucedida de arrendamento para a Fundação Renascer no começo de 1999, a Rede Manchete foi posta a venda, até porque tinha as cinco concessões próprias vencidas desde 1996 e, caso não resolvesse sua situação financeira até maio do mesmo ano, sairia do ar.
As primeiras informações divulgadas pela Bloch sobre a compra da Manchete pelo Grupo TeleTV davam conta de que a produtora "se tornaria responsável pelo passivo da emissora e o pagamento dos salários atrasados seria prioritário no contrato", conforme publicado em matéria da Folha de São Paulo de 13/03/1999 (disponível no site Tele História).
As negociações chegaram a ter acompanhamento pessoal do então ministro das comunicações Pimenta da Veiga, e toda informação publicada confirmava os primeiros comunicados da Bloch. Logo após a venda, por exemplo, a revista Veja publicou matéria em que dizia que o empresário assumiria o total das dívidas da Manchete, estimadas na época em R$ 329 milhões.
Até aí, tudo bem. O problema é que a transação real acabou sendo diferente da inicialmente divulgada.

O NEGÓCIO
A transferência da Rede Manchete para a TV Ômega foi uma operação esquisita, pra não dizer absurda! A pessoa jurídica da TV Manchete Ltda. foi dividida em duas partes: as concessões e tudo o que era necessário para a continuidade da operação imediata da TV ficou com a TV Ômega; as dívidas, equipamentos, marca e arquivo (o patrimônio e a "parte podre") foram para uma empresa chamada Hesed Participações, do empresário Fábio Saboya Salles Júnior.
Curiosamente a Hesed Participações (que, conforme publicado na coluna do Daniel Castro de 25/12/1999, também disponível no Tele História, pretendia vender o patrimônio da emissora, pagar as dívidas e ainda ter lucro no final) alegou, meses depois da compra, que não tinha condições de assumir as dívidas da TV Manchete e declarou falência.
E a TV Ômega, que comprou a emissora nessa estranha sociedade, mas que em maio estava toda disposta a renegociar dívidas, passou a responsabilizar a Hesed sobre todos os débitos da Manchete. Pra completar a dúvida, o site Rede Manchete - Uma História de Sucesso diz que a Bloch Editores publicou na Revista Manchete em maio de 1999 que havia se comprometido a ser fiadora da Hesed na venda da TV.
Com a declaração da Hesed de que não poderia honrar as dívidas da TV, a editora, que já não ia bem das pernas, pediu concordata e processou Amílcare Dallevo (dono da TV Ômega) para que os débitos fossem repassados à sua empresa, que era a sócia da Hesed na compra da emissora.
Aí começou a bagunça: a Bloch faliu, os prédios foram lacrados e ninguém pagou ninguém!

Aí algumas constatações e dúvidas aparecem:

Parece que a TV Ômega fez um bom negócio: comprou o que interessava e deixou toda a parte podre pra uma empresa que "por acaso" faliu em seguida. E essa empresa ainda pretendia "vender o patrimônio, pagar as dívidas e sair lucrando". Será que o patrimônio da Manchete era tão grande assim?

A Bloch Editores virou fiadora da empresa que ficou de pagar as dívidas. Se isso for verdade, então por que a Bloch simplesmente não quitou os débitos antes, já que, para poder ser fiadora da empresa, deve ter comprovado possuir condições de quitar as dívidas caso a Hesed não conseguisse?
Pelo que parece, o negócio inteiro é enrolado e não só a questão da sucessão!

Em 2003, a TV Ômega afirmou, de acordo com reportagem do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que o prosseguimento das execuções trabalhistas inviabilizaria sua continuidade e que não havia sucessão, mas "tão somente uma transferência, pelo Poder Público, da concessão da Manchete para a Ômega".

Eu sou leigo em direito, mas não consigo entender o que levou o TJ do Rio de Janeiro a engolir esse argumento!

Se não existiu sucessão, então por que a TV Ômega contratou funcionários da Manchete, usou antenas e transmissores e PAGOU por uma concessão pública? Por que não houve concorrência para a distribuição dos canais? Para cada nova concessão não deveria ser feita licitação? Se alguém puder me corrigir, vou agradecer. Mas, pra mim, se não teve licitação, teve sucessão!

O outro argumento é o "melhor": a continuidade do pagamento das dívidas "inviabilizaria a continuidade" da RedeTV!. Vamos supor então que eu falo que tenho dinheiro, faço uma compra grande, dou calote em meio mundo e sou processado. Aí na hora do julgamento, digo: "Ô, seu juiz, alivia aí senão o senhor quebra as minhas pernas!".

Justiça significa priorizar o benefício de um (ou uns) em detrimento do direito da maioria?

Acredito que não seria sucessão se a Rede Manchete tivesse saído do ar na data limite e, a partir daí, fosse feita uma licitação na qual Amílcare Dallevo Jr. concorresse com Folha, Estado, Abril, Associados, Quércia, Nelson Tanure, Paulo Abreu, Gugu, R.R. Soares e quem mais quisesse montar uma nova rede. Aí, sim, existiria uma nova emissora, isenta de qualquer vínculo com a rede dos Bloch.

Com tanto material na mídia e com um caso de conhecimento público (pelo menos até onde é possível, porque a transação foi desnecessariamente confusa - aliás, não entendo qual a função da mediação do ministro das comunicações na ocasião), é vergonhoso isentar de ônus a compradora porque ela não tem condições de cumprir um compromisso assumido (ou um compromisso que não foi assumido por ter sido repassado à empresa "laranja") e, no mínimo, preguiçoso não querer alterar a decisão da Justiça do Rio de Janeiro "porque não". Aliás, se o único argumento é que não cabe ao STJ alterar o pronunciamento da Justiça do Rio, então o que o processo está fazendo lá?

Além do mais, uma concessão pressupõe obrigações para sua manutenção. Se a concessionária não conseguir atender a tais obrigações, deve perder o direito de explorar os canais - como a Bloch estava ameaçada de perder na ocasião!

SAIBA MAIS
http://oglobo.globo.com/pais/mat/2008/05/26/suspenso_julgamento_sobre_sucessao_da_rede_manchete-546507353.asp
http://www.comuniquese.com.br/conteudo/newsshow.asp?op2=&op3=&editoria=8&idnot=44277
http://portalimprensa.uol.com.br/portal/ultimas_noticias/2008/05/26/imprensa19614.shtml
http://conjur.estadao.com.br/static/text/3961,1
http://www.fndc.org.br/internas.php?p=noticias&cont_key=186027
http://www.telehistoria.com.br/canais/emissoras/manchete/manchete20.htm
http://www.redemanchete.net/historia/posvenda.htm
http://veja.abril.com.br/260599/p_040.html

Comentários

  1. Eu fui na torre da Rede Tv!, no Rio de Janeiro e não tem como eles dizerem que não sucessores da TV Manchete.Os transmissores e a torre são os mesmos que inauguraram a Manchete em 1983.Para se uma ideia, nestes mesmos equipamentos e´possivel ver placas de patrimonio com o nome logotipo da Manchete, sendo que o logotipo não é o da TV e sim o da revista.

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