A revista que virou panfleto
Aproveitando o recente post sobre a abordagem parcial dos jornais paulistanos na cobertura das eleições municipais, constatada pelo Observatório Brasileiro de Mídia, segue análise de Luiz Antonio Magalhães, do jornal Brasil de Fato, disponível no Observatório do Direito à Comunicação.
O artigo, de 16/10, fala sobre a famigerada parcialidade da revista Veja, na cobertura do primeiro turno das eleições municipais, entre outros assuntos. Veja é folclórica. Mas é sempre bom ressaltar, sobretudo às vésperas das eleições, que muitas informações recebidas são reportagens "editorializadas", seja da revista semanal do Grupo Abril, seja dos jornais analisados pelo OBM ou por qualquer outro veículo.
Segue o texto:
Considero, como leitor, esse jornalismo panfletário como um desrespeito ao eleitor ou assinante. Quem espera informação dessa revista (e não só dessa revista) compra gato por lebre - e algumas pessoas ainda não sabem disso, sobretudo em veículos menos "folclóricos". É desrespeitoso e pouco profissional!
O mais lamentável é essa banalização da falta de profissionalismo nas redações. Depois Deus e mundo esbraveja contra a possibilidade do fim da exigência do diploma de jornalista. Sei que esse é outro tema, cuja discussão é mais aprofundada, envolve uma série de prós e contras... mas que o jornalismo praticado por muitos jornalistas formados cumpre muito mal a função social que tem, isso cumpre!
O artigo, de 16/10, fala sobre a famigerada parcialidade da revista Veja, na cobertura do primeiro turno das eleições municipais, entre outros assuntos. Veja é folclórica. Mas é sempre bom ressaltar, sobretudo às vésperas das eleições, que muitas informações recebidas são reportagens "editorializadas", seja da revista semanal do Grupo Abril, seja dos jornais analisados pelo OBM ou por qualquer outro veículo.
Segue o texto:
Veja: A revista que virou panfleto
Luiz Antonio Magalhães - Brasil de Fato
16.10.2008
A revista "Veja" parece ter perdido definitivamente o rumo, talvez em função do vexame histórico na cobertura da crise financeira internacional. Afinal, não é todo dia que uma redação prepara uma capa espetacularmente incisiva, com o Tio Sam de dedo em riste e a manchete garantindo "Eu salvei você" (edição 2079, com data de 24/9/2008), para, dias depois, essa mesma capa se transformar num case de "barriga" jornalística, uma vez que o crash de 29 de setembro revelou não apenas que o Tio Sam não havia conseguido salvar ninguém como estava desesperadamente em busca de uma solução que envolvesse a União Européia e até países emergentes. A "barriga" foi tão descomunal que na semana seguinte a rival "Carta Capital" fez graça e repetiu a capa da "Veja", com o mesmo Tio Sam de dedo em riste, acompanhado por uma manchete marota: "Ele não salva ninguém".
Se o problema fosse apenas na forma, tudo bem, "barrigas" acontecem nas melhores redações (em "Veja", com uma freqüência um tanto maior, estão aí o boimate, os milhões do Ibsen Pinheiro e os dólares de Cuba que não me deixam mentir). A questão central não está na forma, está no conteúdo. "Veja" há muito tempo não é uma revista jornalística, mas um panfletão conservador, editado por uma equipe que conta com a fina flor do pensamento reacionário brasileiro. A crise global, porém, parece ter mexido com os nervos do pessoal da "Veja" e o panfletão perdeu o rumo.
Em um primeiro momento, "Veja" apresentou ao distinto público a idéia de que a crise já tinha acabado com o anúncio do primeiro pacote de Bush-Paulson; o que havia era um "soluço" absolutamente normal no capitalismo. Na semana seguinte, com data de capa de 1° de outubro, mas circulando no fim de semana de 27-28 de setembro, portanto às vésperas do crash de 29/9, a revista da Editora Abril voltou a dar capa para a crise, fazendo uma espécie de "balanço" do que vinha ocorrendo. "Depois do desastre" era a manchete da capa – mas o desastre real ainda nem tinha acontecido.
Exemplo de fora
O problema de "Veja" é que os valores nos quais continua acreditando e defendendo estavam virando pó com a crise e não havia discurso coerente que servisse para manter o panfletão em pé, muito menos com o disfarce de veículo jornalístico.
Primeiro, veio a euforia (ok, existe uma crise, reconhecemos, mas Bush é "dos nossos", vai dar um tiro certeiro e cortar o mal pela raiz). Não funcionou, para a perplexidade dos jornalistas que cuidam de traduzir o pensamento reacionário norte-americano em uma linguagem acessível a qualquer idiota, e a revista começou a tentar reconhecer que se tratava mesmo de uma crise gravíssima e que expõe as entranhas de um sistema podre, desregulado e baseado na ganância de gente que vendia terrenos na Lua sem o menor escrúpulo, contando com a certeza da impunidade.
Enquanto tateia em busca de um discurso para a crise – se os mercados continuarem eufóricos, provavelmente a próxima capa será um enorme "UFA!" – "Veja" não descuida do front interno. Na edição corrente (nº. 2082, com data de capa de 15/10), a "Carta ao Leitor", espaço editorial da revista, leva o título "O povo não é bobo", acompanhada de uma grande foto do prefeito Gilberto Kassab. O recado da revista ao seu público começa assim: "O primeiro turno das eleições municipais demonstrou, outra vez, que a esmagadora maioria dos brasileiros sabe, sim, votar, ao contrário do que ainda insistem em propalar os descrentes na democracia nacional (felizmente, poucos)".
Em seguida, vem o argumento "racional" de que a população votou nos melhores, gente que trabalha sério, "independente do partido". Beto Richa (PSDB) e Fernando Gabeira (PV) são citados no texto, e Kassab na legenda da foto ("Gilberto Kassab, de São Paulo: exemplo de que a maioria dos brasileiros sabe, sim, votar"). No final do texto, o veredicto final: "Não basta para um partido – qualquer um – contar só com a força de um presidente da República bem avaliado e simpático. É preciso muito mais. O povo não é bobo".
Não, de fato o povo não é bobo e já sabe que "Veja" tem lado. Neste ponto, aliás, seria mais honesto e correto copiar o que de bom existe nos Estados Unidos e explicitar, no editorial, que a revista apóia os candidatos da oposição, especialmente os do PSDB e DEM – legendas que por sinal apóiam Gabeira no Rio. É assim que se faz lá fora e é assim que agiram “Carta Capital” e, em diversas ocasiões, a “Folha de S. Paulo” e “O Estado de S. Paulo”. "Veja", ao contrário, editorializa as reportagens.
Aritmética enviesada
Um bom exemplo está também na edição desta semana, na reportagem que faz um balanço do resultado das urnas. A revista reconhece que o PT cresceu, mas diz que foi nos grotões. Um infográfico está lá para quem quiser fazer contas: em número absoluto de votos, o PT cresceu 1% em relação a 2004, o DEM teve 17% a menos do que na votação anterior e o PSDB perdeu 8% dos votantes de quatro anos atrás. O PMDB, líder no país pelo critério de prefeitos eleitos, viu seu eleitorado crescer 30%.
Qualquer foca de jornalismo faz as contas, soma os danos e conclui que o lead é a derrota dos partidos de oposição, que perderam exatamente 25% do eleitorado de quatro anos atrás. Qualquer foca, menos a "Veja", que preferiu destacar o aumento de 30% do PMDB, um partido-ônibus em que cabe qualquer um e que tem na resiliência a sua maior virtude. É justo que se dê destaque à vitória peemedebista, mas é evidente que o fato político mais relevante é a estrondosa derrota da aliança demo-tucana, com conseqüências evidentes na corrida sucessória de 2010.
No fundo, "Veja" age na política e na economia seguindo a máxima do ex-ministro Rubens Ricupero: o que é bom (para o ideário conservador), a gente mostra; o que é ruim, a gente esconde. E isto, fica aqui o reconhecimento, o pessoal da redação de "Veja" sabe fazer como ninguém.
* Luiz Antônio Magalhães é editor de política do DCI e editor-assistente do Observatório da Imprensa.
Considero, como leitor, esse jornalismo panfletário como um desrespeito ao eleitor ou assinante. Quem espera informação dessa revista (e não só dessa revista) compra gato por lebre - e algumas pessoas ainda não sabem disso, sobretudo em veículos menos "folclóricos". É desrespeitoso e pouco profissional!
O mais lamentável é essa banalização da falta de profissionalismo nas redações. Depois Deus e mundo esbraveja contra a possibilidade do fim da exigência do diploma de jornalista. Sei que esse é outro tema, cuja discussão é mais aprofundada, envolve uma série de prós e contras... mas que o jornalismo praticado por muitos jornalistas formados cumpre muito mal a função social que tem, isso cumpre!
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