Demissão em massa na Rádio Record expõe desrespeito comum no rádio

Texto do Ricardo Leite, comunicador da Rádio Tupi AM (1150 kHz - São Paulo), sobre o recente desmonte da Rádio Record:

Título original: "Rádio Record extermina sua programação"

A notícia está sendo confirmada.

O fato pegou muita gente de surpresa.

Desde quarta-feira já havia o comentário de que a Record poderia extinguir sua programação popular nos 1000 khz AM.

Mas não é de hoje que isso é falado.

No entanto, no final da tarde, segundo consta, pessoas em cargo de confiança e de direção foram chamados para uma reunião urgente com a alta cúpula.

Em contato agora pouco com uma pessoa que fazia parte da programação a informação foi confirmada.

Nesta reunião, os diretores da área artística e jornalística foram informados da decisão. E que uma pessoa do RH os acompanharia para limpeza imediata das gavetas.

Na sequência foram informados os apresentadores e participantes dos programas. Todos com altos contratos em vigência, o que devem gerar altas multas. Todos foram demitidos ou tiveram seus contratos encerrados.

Mesmo assim a posição é irredutível.

Pelas primeiras informações, a partir da meia-noite desta sexta-feira, a Record estará com músicas e algumas informações.

Há uma informação de que a emissora deve nos próximos dias (bem provável segunda-feira) passar a retransmitir a programação da Rede Aleluia 99 FM.

E que tal prefixo em FM serviria para acomodar a Record News FM, sendo capitaneada por Heródoto Barbeiro.

Nossa solidariedade aos comunicadores que começaram a ser notificados pelos demais companheiros. Alguns com cirurgia marcada, outros com promoções em andamento.

Quem estava no prédio no final da tarde disse que o ambiente era de um velório. Ou melhor: parecia um aeroporto quando acontece uma queda de avião – pessoas no saguão a espera de notícias enquanto que alguns choram amparados num canto.

Lembre-se que há dias eu venho batendo nessa tecla aqui no site a respeito do comportamento da Rede Record. Eu já tinha informações de algumas decisões.

Quem perde é o Rádio. O veículo rádio.

O texto do Ricardo Leite me fez lembrar um relato de outra radialista, já repetido por aqui em outro post. O texto é da Mônica Sampaio e relembra o desmonte da antiga Manchete FM, em 1998, quando foi arrendada à Igreja Renascer em Cristo. Vale a pena ler na sequência:

(...)

Vocês se lembram da pouca vergonha que fizeram com essas duas categorias - OUVINTE e PROFISSIONAL DO RÁDIO -, em 1998, em todo o Brasil, no arrendamento da Rede Manchete FM pela Igreja Renascer em Cristo? Passaram a perna, da noite para o dia, nos OUVINTES da Manchete FM e, em NÓS, PROFISSIONAIS DO RÁDIO! Até "abelinha" (telefonista) foi demitida! Da noite para o dia!

Lembro, com muita tristeza deste dia, pois daí pra cá, meu “tesão” por rádio se esfriou; não pelo veículo, mas, pela maneira como está sendo dirigido; pela falta de respeito com os profissionais e com os ouvintes.
Ao ouvir, em lágrimas, dentro do meu carro, no posto de gasolina, o CARLOS ALBERTO (atual apresentador do "Rio de Prêmios") "fechar a porta e apagar as luzes", ao anunciar que, após a Voz do Brasil, não mais voltaria a Manchete FM, mas sim, a Rádio Gospel da Renascer em Cristo, meu coração tomou uma pedrada! É, eles estavam "renascendo na Manchete"; só não estavam nos levando junto ... só se esqueceram de nos avisar ... a nós e aos ouvintes, pois fomos TODOS pegos de surpresa, numa falta de ÉTICA PROFISSINAL sem precedentes na história do Rádio carioca!

23h30 - um fatídico dia do mês de fevereiro de 1998

Estava me preparando em casa, para descer - pois o carro da Manchete já havia chegado para me levar ao trabalho, como fazia todos os dias -, quando recebo um telefonema. Era o Edmo Luís, locutor da Manchete Am Rio - cujo estúdio era vizinho do nosso, do FM.

- "Mônica, meu amor, não tá sabendo não?"
- "Não, o que foi?" - respondi eu, na inocência em que nós, profissionais do rádio, ficamos frente aos demandos dos empresários de Rádio.
- "Tá todo mundo falando por aqui: Hoje é o seu último dia de trabalho! Só seu, não! De todos os que trabalham na Manchete FM!"
- "Você tá doido, Edmo? Ninguém nos falou nada! É pegadinha, não é?"
- "Não, é sério, Mônica! Até o Celso Santa Rosa [coordenador da Rede Manchete FM na época] 'dançou'!"
- "Vai todo mundo embora?? Mas o que é isso, Bomba atômica, repetição de Hiroshima e Nagasaki?!"- hoje eu falaria isso pra ele.
-"Não", respondeu o Edmo Luís. "A Rede Manchete FM foi 'arrendada'."

(...)

Segue abaixo, um diálogo que não houve. Não naquele telefonema. Mas que rolou muito, nos bastidores, entre os DEMITIDOS.

-"Ué, e eles não vão precisar de PROFISSIONAIS DE RÁDIO para colocar no ar esta nova programação? Por que não aproveitam os que JÁ TRABALHAM AQUI? Nem as telefonistas? Os operadores de áudio ... ninguém?!"

- "Não, Mônica, eles vão "renascer"; vai ser tudo NOVO!"
- "Uai, e nós????"
- "Vocês? Bem, aqueles que têm mais de um ano de casa - como é o seu caso, Mônica - vão para o sindicato, fazer as contas, e assinar o acordo de demissão."

Bem, amigos, aquela foi uma noite do cão!
E tínhamos a ordem - olha a cara-de-pau e o desrespeito ao ouvinte - de fazer sorteios "fake"!

Ao chegar na emissora, ninguém sabia de nada, além do que o Edmo havia me dito. Uma das produtoras para quem eu telefonei, me disse que era para fazer como se nada tivesse acontecido.
- COMO???
- NÃO DIGA NADA NO AR! Faz de conta que tudo vai continuar assim.

Esta era a única coisa que nos disseram.
Eu, chorando, a cada palavra de carinho e amizade dos ouvintes. A cada menção de "a semana que vem tem mais!"
Foi terrível!
E quando o Fabiano chegou para me render? Ele também custou a acreditar. Parecia brincadeira. De mau gosto. (...)

E assim foi, de locutor em locutor, de horário em horário, ficavam sabendo da notícia inacreditavelmente verdadeira. Até o momento do encerramento da Rádio, pela voz embargada do Carlos Alberto, que eu - e centenas de pessoas - ouvimos, estupefatos e lacrimejantes. E decepcionados. E revoltados.

(...)

O texto completo está no blog da Mônica Sampaio, que também conta um episódio ocorrido na FM 105 em 1987, em que uma briga entre "locador" e "locatário" fez com que parte dos funcionários sofressem uma série de retaliações.

Há 13 anos, quando a Manchete FM foi extinta, a Internet ainda engatinhava e os ouvintes só sabiam de uma mudança desse porte ao sintonizar a emissora, sempre sem explicações - e até com absurdos como "sorteios fake".

Hoje é possível guardar alguma despedida dos profissionais, como as postadas pelo Rodney Brocanelli no Radioamantes que reproduzo a seguir, ou observar uma repercussão infinitamente maior que naquela época. Mas a arbitrariedade e o tom repentino das decisões dos empresários continua mantendo o padrão da década retrasada.

Despedida de Juarez Soares:


Despedida de Sérgio Luiz:



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