Há 10 anos, a Musical FM abandonava a MPB

Texto de Rodney Brocanelli, do Rádio Base:

O final deste mês de maio trará uma efeméride que poucos deverão comemorar. É a transformação da Musical FM (105,7 Mhz) em uma rádio com programação eminentemente religiosa. A partir de 1993, a emissora passou a ser conhecida e admirada do público por voltar a sua programação musical para a Música Popular Brasileira. Segundo reportagem publicada à época pelo jornalista Roldão Arruda no jornal O Estado de S.Paulo, a Musical FM "foi vencedora de 3 prêmios da Associação Paulista dos Críticos de Arte (...) Ajudou a lançar novos artistas, como Chico César, Vânia Abreu e Zeca Baleiro".

Ainda segundo a reportagem de Arruda, "a emissora teve em abril uma base de 30 mil ouvintes por minuto, de acordo com números do Ibope. Era uma audiência selecionada: 68% das pessoas pertenciam 'as classes sociais A e B'".

Vendo de fora, tudo era lindo e maravilhoso. Contudo, a emissora vivia uma crise interna e a venda de espaços publicitários não era suficiente para pagar as contas. Resultado: a Rede L&C de Mídia, detentora da concessão, decidiu alugar seu espaço de programação a um grupo de denominações religiosas. Segundo notícias da época, o valor do arrendamento era de R$ 3 milhões anuais, por um prazo de quatro anos. Pelo jeito, a Rede L&C não se animou em voltar a controlar a emissora. O acordo foi sucessivamente renovado e, caso não ocorra nenhuma surpresa, chegará ao seu décimo ano em 31 de maio.

MPB Sempre

Ao mesmo tempo em que ocorria a transição da programação, um grupo de ouvintes que participava do fórum de discussão do antigo site da Musical FM decidiu se mobilizar pela Internet. Nascia o Movimento do Sem Rádio, que conseguiu fazer algum barulho e chamar a atenção da imprensa.

O mote principal desse grupo era o slogan "Calaram a boca da MPB". O grande problema era que a tal MPB que julgavam ter sido calada era a MPB de Gil, Caetano, Milton Nascimento, Tom Jobim, Gal, Maria Bethânia, Adriana Calcanhoto, Zé Ramalho, Alceu Valença, MPB4, Flavio Venturini, Beto Guedes, etc, que já tinham espaço generoso em outras emissoras espalhadas pelo país afora.

Os novos talentos lançados pela Musical nada mais faziam a não ser repetir fórmulas já consagradas pelos artistas citados acima. Chico César é um belo exemplo disso, e a comparação de seu trabalho com o de Caetano Veloso pode ser muito bem explorada em outros artigos.

O Movimento dos Sem Rádio tentou contato com as direções de várias emissoras no intuito de "discutir a manutenção e ampliação da música de qualidade em todos os veículos sonoros de comunicação". Na verdade, esse grupo queria apenas a volta da Rádio Musical querida por eles, com todas as suas virtudes e defeitos (alguém aí conseguiria explicar o fato da promoção continua a vários artistas da gravadora Velas?). Se esqueciam de outras estações de rádio que eram até mais radicais na defesa da música brasileira, como a Cultura AM e a USP FM.

Em outubro daquele mesmo ano era criada a ONG MPB Sempre. Algum tempo depois, chegaram a ter um programa semanal na USP FM. Em paralelo, criavam manifestações públicas, com a intenção de obter espaço na mídia. Numa delas, chegaram a organizar uma passeata para combater a música brega. Na verdade, era apenas mais um protesto de pessoas da classe média querendo impor seu gosto musical aos outros.

Depois disso, nunca mais se ouviu falar do MPB Sempre. A lista de discussão no Yahoo Groups está parada. O site oficial da ONG está desatualizado. Talvez esses órfãos da Musical tenham se contentado com mudança ocorrida na Nova FM, que passou a se dedicar integralmente a MPB. Se esta emissora decidir mudar seu rumo, quem sabe o grupo reapareça para fazer seu barulho.

Nos comentários do Rádio Base o Marcos Lauro lembrou da criação de uma web-rádio "imitando" o conteúdo da antiga Musical FM, quando a rádio "encontrou Jesus". Pra falar a verdade, não lembrava mais do endereço dessa web-rádio e nem direito da sua existência. Lembrei dos anúncios da web-rádio em relógios e outdoors quando li o artigo, mas não encontrei nada sobre ela.

Só sei que acabou. O www.musicalmpb.com não tem nada. A única coisa que achei foi um texto de 2003 do diretor de conteúdo da web-rádio, Ronald Gimenez, comemorando os 10 anos da rádio Musical ("6 anos como rádio FM e outros 3 anos e meio como web rádio") e falando do patrocínio da Porto Seguro. Pelo menos três anos e meio durou.

Concordo em 100% com o artigo do Rádio Base, mas acho legal ver essa movimentação em torno de uma emissora de rádio, e acho difícil isso se repetir.

A 89 FM também teve um pessoal marcando protestos na Praça Oswaldo Cruz, quando deixou de ser "A Rádio Rock". O intuito era o mesmo: impor seu gosto musical, enquanto protestavam contra o fim da rádio. Mas já era bem menor e menos organizado - ainda que fosse mais "amador", por ser mais adolescente. Mas só existiu porque era mais adolescente e, portanto, mais apaixonado/extremista.

A Nova Brasil FM deu lugar mais de uma vez para o missionário R. R. Soares no Rio de Janeiro, e pouco se falou. Ainda no Rio, a Cidade virou Oi FM, a Globo FM virou repetidora da CBN e a Mundial, que mal tinha chegado, praticamente acabou. E ninguém se abalou.

Comentários

  1. Anderson,
    Que denominações religiosas assumiram a Musical FM, evangélicos? católicos carismáticos?

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  2. Peter, confesso que essa é uma das poucas rádios que eu passo reto no dial de SP. Chego a escutar as outras rádios gospel, até pra ver como são, mas a Musical é péssima.

    Até onde eu sabia, se não me engano, era de um "convênio" de igrejas, liderado pela turma do Carlos Apolinário. Mas o Cláudio Apolinário é diretor da rádio Vida FM (www.radiovidafm.com.br), que funciona nesse esquema - até porque a família do Carlos Apolinário não tem nada a ver com a igreja Paz & Vida, mas na sede da Paz e Vida tem propaganda da rádio Vida.

    Acho que atualmente a Musical está ligada à Igreja Comunhão Plena. Eles que disponibilizam o áudio da rádio na Internet: http://www.comunhaoplena.com.br/radio.html

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  3. Anderson,
    é no minimo curioso, pois já aconteceu a mesma coisa em João Pessoa, a antiga Universitária FM foi "comprada" por uma sociedade de pastores e virou uma áudio-igreja Cristã FM, todo mundo gritando, dava nos nervos, depois repassaram para João Gregório(Arapuan FM) que mudou o nome da rádio definitivamente para Miramar FM, mas ele manteve os evangélicos das 20h-06h

    No tocante às rádios gospel, gostava muito da extinta FM Tambaú 92,9 Mhz[atual 92 FM].(não confudir com a atual Tambaú FM 102,5 Mhz.), arrendada à Igreja Batista (na época, congregava lá), era uma rádio muito boa de escutar, tocava música gospel de todos os estilos(de rock à pagode)

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  4. Alguém lembra o nome da gravadora do carlos Apolinário?

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