Voz do Brasil flex (só pra quem pode)

Era uma vez uma rádio FM na cidade de São Paulo chamada Atual. Na verdade, não só Atual: já foi Atual, Apollo, 94, e já esteve 24 horas por dia com a programação do missionário David Miranda. Mas todas essas fases tiveram uma coisa em comum: de segunda à sexta, às 19h, era transmitida "A Voz do Brasil", religiosamente. Num belo dia, a rádio Atual deu lugar à Oi FM e a partir daí (desde o primeiro dia) nunca mais se ouviu "A Voz do Brasil" às 19h na frequência. Fim.

Era uma vez a Brasil 2000, outra FM paulistana que chegou a não transmitir o noticiário da então Radiobrás às 19h, mas que, coincidentemente, voltou a exibi-lo durante seu período de "vacas magras" (ou abandono, mesmo). Num belo dia, a emissora virou uma espécie de afiliada da Eldorado ESPN e, já no primeiro dia, não se ouviu "A Voz do Brasil" às 19h. Fim.

Era uma vez um sociólogo, jornalista e professor chamado Laurindo Leal Filho, ou Lalo Leal (ouvidor geral da EBC) que, certo dia, escreveu um artigo contrário à flexibilização da Voz do Brasil. No texto, Lalo dizia que a transmissão simultânea era uma forma de termos "notícias despoluídas de interesses comerciais, oferecidas a um só tempo a todo povo brasileiro", que o programa era um "importante instrumento de pedagogia política" porque informava e aproximava o ouvinte dos poderes públicos. Esclareceu que as notícias não chegam intactas ao conhecimento dos cidadãos através da mídia comercial e lembrou que mesmo num período de censura, como no regime militar, o noticiário oficial do governo era mais independente que os noticiários das emissoras comerciais, porque nas rádios particulares somavam-se os interesses político-empresariais às imposições policiais. Fim.

Moral da história: se "A Voz do Brasil" fosse tão indispensável, não seria tão fácil flexibilizar seu horário!

Falando nisso, é tão fácil assim conseguir liminar para essa flexibilização ou é o poder econômico das empresas que define quem transmite ou não o programa às 19h?

Não sou totalmente contrário ao que Lalo Leal escreveu. Apesar de achar que o texto confunde divulgação oficial com jornalismo público, concordo que as notícias da mídia privada obedecem aos interesses de seus proprietários ou, no mínimo, passam por esse "filtro" de audiência ou faturamento. Sobre a divulgação oficial feita pela Voz, ela é um instrumento importante para que o cidadão tenha mais base para cobrar seus direitos. E digo mais: até ouço alguma coisa da Voz do Brasil - o noticiário do poder executivo está com uma plástica mais atraente, chega a lembrar a programação das emissoras all news comerciais.

Mesmo assim, não faz sentido defender a obrigatoriedade do programa se praticamente todas as emissoras mais ouvidas o transmitirem às duas ou quatro da manhã, isso quando transmitem! Quem acredita na ilusão de que a maioria das pessoas vai ouvir "A Voz do Brasil" em seu horário tradicional tendo quase todas as rádios com programação normal?

Divulgação do governo é um serviço, mas não faz sentido defendê-la no mesmo formato criado por Getúlio Vargas na década de 30!

Espero que quando a TV digital "pegar", e todo mundo tiver acesso gratuito a TV Senado, Câmara e NBR, alguém caia na real e entenda que "A Voz do Brasil", do jeito que está, quase não tem utilidade. E que esses canais suprem, com vantagens, a função que Vargas pensou para o noticiário radiofônico.

SAIBA MAIS
Leia o artigo de Laurindo Leal Filho sobre a Voz do Brasil

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