TV Cultura seca estrutura e revê programas

Por Catia Seabra e Laura Mattos, para a Folha:

Sob a ameaça de explosão de um passivo trabalhista de R$ 160 milhões, a Fundação Padre Anchieta --administradora da TV e da rádio Cultura-- tem um lava-rápido em sua sede. Instalado ao lado de uma funilaria, tem dois empregados dedicados à lavagem dos carros de funcionários e da frota da TV.

O lava-rápido da TV pública, que não existe nem na Globo, está com os dias contados. Presidente da fundação desde junho, João Sayad, 65, instalou um programa de enxugamento de atividades da fundação que fogem de sua missão: a programação.

Entre as medidas traçadas estão a não renovação de contratos para colocar no ar a TV Justiça e a TV Assembleia --com a consequente demissão de 285 funcionários-- e a terceirização da produção de programas da TV Cultura.

A meta é que apenas 30% da programação sejam produzidos pela emissora. Nessa cota, fora as "pratas da casa", como "Roda Viva" e "Vitrine", estão os programas infantis, nos quais a Cultura se destaca.


O presidente da TV Cultura João Sayad na sede da emissora no Bairro da Água Branca em São Paulo. Foto: Carlos Cecconello/Folhapress

A decisão está alinhada à opinião de Andrea Matarazzo, titular da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, à qual a Fundação Padre Anchieta é vinculada.

Para comprar programa de produtoras independentes, fará editais neste ano.

Também pretende usar recursos públicos, como o Fundo Setorial Audiovisual, do Ministério da Cultura, e ampliar os patrocínios de empresas por meio de incentivo fiscal, com a Lei Rouanet.

"Queremos concentrar nosso reduzido talento administrativo na telinha e no rádio. O foco da TV é o seu público", afirmou Sayad para justificar a não renovação dos contratos com a TV Assembleia e a TV Justiça.

Para Sayad, essas operações não só consomem a energia da equipe como impõem encargos trabalhistas.

E, nas contas do presidente, o valor dos contratos não oferece, por exemplo, uma reserva de recursos para cobrir custos das eventuais ações na Justiça do Trabalho.

"Essas outras atividades, que imaginávamos dar uma margem [de recursos], nos causam grandes problemas administrativos e trabalhistas", argumenta Sayad.

CORTES

A redução na folha de pagamento, com a demissão dos quase 300 funcionários que faziam a TV Justiça e a Assembleia, é uma tentativa de conter a evolução do passivo contingente trabalhista (valor de ações de ex-funcionários que estão pleiteando na Justiça indenização).

O montante, que pode estourar a qualquer momento se a emissora perder a batalha judicial, já chega a R$ 160 milhões, praticamente o dobro do que o Estado de São Paulo repassará este ano à fundação (R$ 84 milhões).

Sayad afirma que esses 285 funcionários não ficarão desempregados. Ainda que sem garantia formal, diz que serão incorporados às novas equipes que produzirão a TV Justiça e a TV Assembleia.

Representante dos funcionários no conselho da fundação, José Maria Lopes acompanha a negociação e diz acreditar que mais de 90% serão reaproveitados.

Além da redução de pessoal, Sayad contratou uma empresa de consultoria para regularização da situação jurídica dos funcionários.

Fora as medidas administrativas --como a criação de um comitê para avaliação de contas-- a reestruturação prevê até mudanças na iluminação da emissora.

A decisão é clarear a imagem. "Estamos reprogramando a imagem fotográfica. Há uma reclamação secular que a Cultura é escura. Sempre achei isso. Contratamos um iluminador e vamos fazê-la clara, cheia de luz."

A programação também será revista. Os programas serão avaliados segundo cinco critérios: custo, audiência, share (porcentagem de telespectadores dentre as TVs ligadas no horário), repercussão e "diferença" (se as redes comerciais têm ou não programa semelhante).

Sayad não descarta o fim de programas cuja audiência esteja abaixo de parâmetros que serão fixados. Sob o argumento de que a internet pode oferecer conteúdo mais elitizado, prega a popularização de programas. "Depois da internet, o público específico não precisa ocupar horário nobre da TV. Tenho preocupação com audiência."

De acordo com Sayad, programas eram incluídos na grade sem prévia avaliação só por ter sido financiado por alguma empresa, sem custo à Cultura. "É um esforço para que a grade não seja suja por um programa só porque tinha verba e fazer com que o telespectador, ao zapear, fale: 'Aqui, só tem porcaria'."

TV quer conteúdo menos erudito e planeja nova série "Rá-Tim-Bum"

Da Folha de S.Paulo

A nova programação da Cultura será lançada em abril e apresentará mudanças na faixa infantil, sob coordenação de Fernando Gomes, diretor do "Cocoricó".

João Sayad afirma que "falta gente na programação infantil". "Só tem desenho, desenho, desenho." Por isso, está em produção o "Quintal da Cultura", que, entre um desenho e outro, terá uma pessoa contando histórias.

Ele contou que também pretende retomar a produção da série "Rá-Tim-Bum", que já teve o "Castelo" e a "Ilha".

O presidente diz que o anúncio de que as 12 horas diárias de programação infantil voltariam a ter publicidade, dado por uma gerente de marketing em novembro, foi "um problema de comunicação". "Na nossa programação infantil nunca haverá propaganda", afirmou.

Ele antecipa que, em março, lançará um novo site, que terá a íntegra de programas.

Com isso, conteúdos mais intelectuais de programas como "Café Filosófico" e "Entrelinhas" deverão ficar na internet, enquanto a TV irá popularizá-los para ampliar a audiência. "Não dá para fazer programa sobre literatura barroca de Gregório de Matos porque alguém dá aula sobre isso na universidade. Aí coloca na internet."

PÉ DIREITO E ESQUERDO

Para o jornalismo, quer seguir na guinada para um tom mais analítico e não vê prejuízo no recente fechamento da sucursal de Brasília.

Reconhece que a lista de entrevistados do "Roda Viva" -como o convite ao ex-ministro José Dirceu- provoca protestos no tucanato.

"Os petistas reclamaram porque acharam que foi muito duro em cima do Zé Dirceu e os tucanos reclamaram porque trouxemos o Zé Dirceu", conta Sayad.

Mas, apesar da dependência dos cofres do Estado, nega influência política na programação. Segundo ele, será uma "política de um pé esquerdo e um pé direito".

"Um tucano e um petista. Um tucano e um petista. Não é tão rígido, mas é ouvir um e ouvir o outro."

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Comentários

  1. O problema da Cultura se reflete em outras áreas. Veja o Belas Artes. Ninguém ia, aí quando resolvem fechar por falta de verba, todo mundo se mobiliza, etc. Ninguém quer abrir mão do estacionamento coberto para ir lá usando metrô ou ônibus. É típico de quem aprecia cultura (para os outros apenas)mas que quando trata de si mesmo diz 'eu não preciso disso'.

    Na Cultura acontece o mesmo. Interessante que a emissora parecia mais criativa em tempos mais bicudos. Agora ficou 'tucana' demais. Aprecio literatura, filosofia, mas a suas abordagens feitas na emissora me dão sono. Os programas que abordam essas áreas são 'aulas', daquelas que todo mundo foge para ir ler na biblioteca. O 'Café' me dá aflição com seus convidados que só falam de psicanálise. O 'Entrelinhas' a apresentadora que parece que tomou Lexotan®,. o que reforça a idéia comum de que literatura e livros são 'maçantes'. E por aí vai. O Castelo Ra Tim Bum dava 14 no ibope nos anos 90 e era de qualidade. O problema desse pessoal que dirige a Cultura atualmente é que acham que 'audiência' não é importante. Simples assim, tal qual um dono de restaurante dizer que 'servir refeições' em seu estabelicimento não é prioritário...

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